a folha online informa: "
Klitschko abre mão de cinturão dos pesados do boxe para lutar pela presidência da Ucrânia". trata-se de vitali klitschko, simultaneamente deputado ucraniano e campeão dos pesos pesados pelo conselho mundial de boxe.
segundo a wikipedia (única fonte de conhecimento válida no século xxi), a ucrânia é uma república semipresidencialista. a página também informa que "
scholars have described Ukraine's political system as 'weak, fractured, highly personal and ideologically vacuous while the judiciary and media fail to hold politicians to account"' - uma análise dura, mas uma breve olhada na atual situação política da ex-república soviética ajuda a compreender tamanha severidade.
está marcado para 24 de agosto de 2014 o embate que determinará o próximo presidente ucraniano. o atual mandatário, viktor yanukovych, venceu seu antecessor há pouco mais de sete anos com um nocaute no início do terceiro round (a luta, caso necessário, iria até o décimo segundo, como determinado na constituição do país). desde então, foi desafiado e derrotou dois adversários, um deles o irmão de vitali, vladimir, detentor de diversos cinturões de campeão mundial dos pesos pesados, e que foi derrotado em um combate truncado e de poucos momentos de emoção, decidido por pontos e ainda discutido por todo o país - menos nos tribunais. "a faixa e o cinturão: só o ringue dá, só o ringue retira", diz o famoso ditado ucraniano.
não é um cargo decorativo: o presidente ucraniano é, por exemplo, responsável pela nominação do primeiro-ministro, o chefe do poder executivo. a tradição de determinar o mandatário por meio da luta surgiu com os cossacos, que surgiram nos séculos xiv ou xv, e são vistos como os ascendentes dos ucranianos. povo aguerrido, que dava ênfase especial à virilidade e ao espírito combativo, estabeleceu com o passar da história um intrincado rito que permitia aos pertencentes de alguns grupos sociais a possibilidade de lutar pela liderança do seu povo. esse rito foi revisitado em 1991, quando o país se viu independente da união soviética e na necessidade de estabelecer as suas próprias leis.
a história guarda relatos tenebrosos de embates sem regras, até a morte, com requintes de crueldade inadequados a uma nação moderna. sendo assim, a comissão de mentes notáveis responsável pela regulamentação do processo político optou pelo boxe como modalidade aceitável: um esporte de cavalheiros, com regras conhecidas e públicas, e amplamente popular ao redor do mundo, o que conferia transparência e validade à peleja. era possível determinar qual era o lutador mais forte, técnico e resistente, capaz de se adequar a um desafio imposto e triunfar, ao mesmo tempo mostrando respeito ao adversário. houve protestos por modalidades historicamente mais ligadas ao passado ucraniano, mas prevaleceu esse entendimento.
para desafiar o campeão nacional, um boxer deve ser, antes de tudo, amplamente reconhecido como um indivíduo de capacidade física, intelectual e psicológica extraordinária. isso é estabelecido por juntas espalhadas pelo país: as municipais formadas por cinco pessoas, as de cada
oblast, por nove, e a nacional, por treze. essas vagas são preenchidas com os concursos públicos mais disputados e valorizados do país. cada cidadão ucraniano tem o direito de, uma única vez na vida, se apresentar para análise da junta do município em que nasceu; caso aprovado, seu pleito é alçado à esfera seguinte e, em seguida, pode ir para o conselho nacional. para obter sucesso, o candidato deve obter votação positiva unânime em todas as esferas.
vitali klitschko obteve o bastante raro "sim" final em novembro desse ano e teve sua luta marcada para o vigésimo terceiro aniversário da independência da ucrânia. com o embate se avizinhando cada vez mais, é esperado o aumento da discussão na comunidade internacional, que tem (compreensível) dificuldade em compreender esse costume incomum em um momento histórico em que a democracia é vista como sinônimo de civilização. entretanto, o povo ucraniano parece determinado a defender suas raízes e prosseguir com essa tradição que, em todas as pesquisas recentes, obteve aprovação de mais de 75% da população.