quarta-feira, 13 de agosto de 2008

cada um no seu quadrado

depois que o músico evitou o esbarrão da bicha louca em seus microfones colocando seu braço direito entre os aparelhos e o membro da platéia, começou a confusão. a bicha dançava loucamente ao redor da roda de samba, com o claro objetivo de mostrar seu desinteresse nas pessoas que tripudiavam de sua óbvia opção sexual e sem se importar muito com o conforto dos que dividiam o mesmo espaço. ao ter seu caminho barrado pelo percussionista, fez um escândalo. alegou preconceito, se disse vítima de violência, fez uma palestra aos gritos sobre a impossibilidade de um comportamento como aquele em pleno século xxi.

um grupo de estudantes de ciências sociais, que não viram nada do ocorrido por estar um pouco afastado da ação, ouviu o burburinho e resolveu se aproximar. informados de que se tratava de um possível caso de homofobia, começaram a bradar palavras de ordem e hostilizar os componentes da roda de samba, falando que nunca mais voltariam àquela espelunca. num canto, o receptor do suposto golpe chorava de forma descontrolada, sendo acalmado por uma amiga.

a coisa começava a tomar dimensões preocupantes. a música havia parado, o que provocou protestos dos clientes. os estudantes falavam em boicote, interdição, protesto, estavam quase chamando a polícia. o dançarino atabalhoado prosseguia com seu drama - havia se declarado à beira de um desmaio algumas vezes. os integrantes do conjunto se solidarizaram com o colega envolvido no quiproquó e declararam que só voltariam a tocar quando aqueles palhaços fossem retirados. a noite, antes tão agradável, caminhava para um desfecho lamentável.

entretanto, do meio da turba de insafisfeitos, surgiu aquele que resolveria a situação: sentado perto da roda, havia um auditor da secretaria nacional de bom senso. ainda não havia se prounciado sobre a situação; apenas bebericava sua cerveja, considerando tudo o que havia acontecido e ponderando as argumentações das várias partes envolvidas. quando achou que sua reflexão era suficiente, levantou-se, anunciou sua presença, sacou a insígnia da carteira e disse ter chegado a um veredicto. silêncio no ambiente.

com o vasto poder que lhe era investido, o auditor decretou o reinício da roda, a escolta do grupo de estudantes para fora do recinto e a detenção preventiva do dançarino, que poderia receber punições posteriores. questionado por alguns curiosos sobre a base de sua decisão, o funcionário público ofereceu:

"coisas como essa a gente vê todo dia, bicho. ultimamente, todo mundo acredita estar sendo perseguido por ser negro, mulher, gay, idoso, evangélico e por aí vai. claro que a gente investiga tudo e alguns casos têm seu mérito, mas na maioria das vezes é isso aí: gente histérica, irritante e sem noção, atuando contra tudo o que se convencionou chamar de 'bom senso'. aí a gente tem que pegar, né?"

e pegou. não é à toa que a secretaria nacional de bom senso é tão bem vista - imagina gente dessa estirpe solta por aí, enchendo o saco?

Um comentário:

Anônimo disse...

implicância.