sexta-feira, 19 de setembro de 2008

"vai ter putaria no texto?"

durante um mês e meio, ligou diariamente para maíra na repartição, por volta das 11h45.

a jovem, com uma voz doce e solícita, sempre atendia o telefone com as mesmas três palavras protocolares: "comunicação, bom dia". não ouvia resposta; apenas a expiração do seu interlocutor, cada vez mais rápida e barulhenta. repetia a saudação uns três segundos depois, certificando-se de que se fazia ouvir, e ao verificar que estava novamente sendo alvo do que ela acreditava ser "um maníaco", grunhia um palavrão qualquer e batia o gancho com força no corpo do aparelho.

essa era uma das poucas atividades do nosso amigo maníaco até as seis da tarde, quando começava seu turno como garçom em um famoso bistrô da cidade. até as duas da manhã, transitaria pelas mesas do estabelecimento oferecendo vinhos encalhados no estoque e anotando pedidos, com um baita sorriso estampado no rosto. gostava de observar os casais, principalmente aqueles que não trocavam cinco frases durante toda a noite, comendo em silêncio, realizando os rituais esperados de um par normal antes de irem para casa e finalizarem o dia com uma trepada de dois minutos. esse era o tipo predominante.

findo o expediente, ia para casa dormir, morava ali perto. nunca acordava antes das onze. fazia hora na cama até a hora do almoço, quando ligava para um serviço de quentinhas e pedia sua refeição. já havia memorizado o número havia muito tempo, mas errou a digitação num dia desses e acabou entrando em contato com maíra. nunca mais conseguiu esquecer aquela voz.

só que a paciência humana tem limite, e o da moça pode ser estimado em vinte e oito telefonemas acompanhados de silêncio e baforadas. requisitou um identificador de chamadas, obteve o número do responsável pelas ligações e entrou em contato com a polícia. os agentes da lei classificaram o caso como "sem-vergonhice" e, com dúvidas sobre a adequação dos métodos legais para a resolução do assunto, decidiram que cerca de 1h30 de surra seria suficiente para garantir a proteção da reclamante e reestabelecer a ordem social.

hoje o garçom tem dois dentes da frente lascados, o que por razões óbvias compromete sua empregabilidade - seria demitido em breve. os policiais ainda são uns brucutus, muitos rapazes continuam a pagar demais por vinhos medíocres e a maioria dos casais é infeliz. tudo continua uma merda, a não ser para maíra, que hoje trabalha mais tranquila, e para mim, que nada tenho a ver com essa história. prefiro cerveja e acho a voz dela um saco.

2 comentários:

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

não ganhou nem nome o nosso amigo maníaco, coitado ;~