depois de chegar do trabalho, renzo sempre passava no mercado perto de sua casa e comprava uns dez bifes. nunca apreciou muito a carne bovina; gostava mesmo era de colocar as peças no grande moedor que um dia pertenceu ao seu avô paterno.
ninguém sabia daquilo. tinha certa vergonha de se fascinar tanto pelo processamento realizado pelo aparelho - os pedaços entrando inteiros por cima e saindo completamente esmigalhados, acompanhados pelo suco da carne. gostava do barulho daquela máquina pesada e antiga, e dos sons produzidos pelo contato entre as lâminas e o tecido animal. o produto era geralmente entregue ao seu cão de estimação, raramente era consumido por ele. não era o mais interessante.
ele nutria alguma preocupação em relação a esse costume. sempre foi um cara pacato, nunca brigou na vida, odiava ver animais maltratados. era visto como uma pessoa agradável e inteligente, gostava de música, corria no parque nos fins de semana. havia alguns comentários sobre a sua timidez e reclusão, mas não era nada de mais, algumas pessoas simplesmente são menos sociáveis que as outras.
ninguém achava tão esquisito quando ele declinava convites para as happy hours do departamento, mas não sabiam que ele ficaria em casa destroçando pedaços de carne. sua vida era tomada por um conflito interno: estava ciente de que aquele hábito era bizarro e potencialmente perigoso, mas não conseguia abandoná-lo. questionava-se com frequência sobre as chances de aquilo se transformar em algo doentio, criminoso. faria com espécies vivas? chegaria ao assassinato? simplesmente passaria suas noites despedaçando bifes, pro resto da vida? ou abandonaria essa rotina e se enquadraria no que se chama de "normal"?
essa era a maldição de renzo, um cara bacana e inofensivo, mas tomado pela vergonha, paranóia e pavor. foi assim até o último de seus dias, dois anos e sete meses depois de sistematizado esse incomum hobby, quando foi atropelado por um caminhão de mudanças no caminho do trabalho e morreu pouco antes de chegar no hospital.
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2 comentários:
"ai, credo, moisés"
=)
Adorei, adoro essa criatividade!
queria uma máquina dessa, como fas
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