"sem você sou pá furada.", dizia o depoimento que a menina com quem estava se relacionando havia umas três semanas deixara em seu orkut. sabia que era um trecho de uma letra daquela banda de bichas metidas a intelectuais de que mariana gostava. ficou lendo a frase, sem saber o que devia retirar daquilo: uma pá sem furos, em perfeito funcionamento, serve pra quem?
para um pedreiro, por exemplo. sol de meio-dia, terra encrustada no rosto, salário de merda e trabalho de sobra. um fardo - melhor seria se sua pá estivesse furada, seria uma desculpa para deixar de mover aquelas trezentas toneladas de areia que deveriam estar no buraco antes de ele largar o serviço. quem quer uma vida assim?
lembrou-se também da seção policial do jornal que lia diarmamente: não raro, aparecia um infeliz assassinado com um instrumento do dia-a-dia (como uma pá) por causa de um jogo de dominó ou duas doses de cachaça. não é difícil ver coisas do tipo em filmes, também. pra que tanta violência? seria direcionada a ele? contra o mundo inteiro? qual o motivo de tanta raiva? valeria a pena se arriscar?
pensou nesses casos de morte e logo veio à cabeça: coveiros usam pás; talvez nenhuma categoria esteja mais ligada às pás do que essa. assustou-se com os contornos mórbidos que a história estava tomando. mariana queria matar? planejava um golpe? ele tinha boa situação financeira, certamente melhor do que a da moça, ela poderia garantir uma vida tranquila com um plano bem executado. as chances de se tratar de alguém com problemas sérios eram cada vez menos desprezíveis.
mas ok, talvez não seja nada tão drástico, pensou. considerou uma questão bem mais simples: qual o problema de uma pá furada? tudo bem, ela é inútil, mas o amor não pode ser visto de forma tão pragmática. via ele como trabalho, uma fonte de sustento que simplesmente não poderia deixar de funcionar? já estaria pensando em casamento, família, casa própria, cortinas e faqueiros? era jovem ainda, vinte e quatro anos, tinha planos de achar uma mulher especial e se amarrar um dia, mas só depois dos trinta, depois de uma juventude muito bem aproveitada.
no fim das contas, acabou desistindo. não aceitou o depoimento, dispensou a moça uns três dias depois e voltou a buscar companhias em shows de axé - geralmente eram menos propensas à subjetividade. quando diziam "chupa toda, eu disse toda", não estavam para brincadeira.
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Um comentário:
hahahahahahaha
'chupa que é de uva' é melhor...
paunocu way of life!
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