deixei minha cadeira, adentrei o recinto e me dirigi para o fundo do salão, onde estava o senhor que recebia o pagamento. entreguei as moedas, recebi uns quarenta centímetros de papel higiênico - que seriam esquecidos no bolso de trás das minhas calças - e entrei no sanitário, em que fui recebido por um velho barbudo que lia um jornal enquanto defecava, sem se preocupar em fechar a porta do reservado. não se abalou com a minha chegada; apenas acenou com a cabeça e prosseguiu com seus afazeres intestinais. agora me arrependo por não ter devolvido o cumprimento, minha mãe me educou melhor que isso.
voltei para a minha mesa e me preparava para voltar a sorver minha cerveja quando fui abordado por outro camarada hirsuto, que se oferecia para reproduzir meu rosto em uma enorme folha de papel com um pedaço de carvão. segundo sua descrição, o resultado seria "genial". refutei educadamente, resposta recebida com estranhamento ("mas... é um perfil GENIAL") e, posteriormente, com revolta, exposta pelo murmúrio de impropérios e brandimento de um punho fechado em minha direção.
paguei minha conta e saí andando. no meio da rua, um sujeito hiperativo, cujo comportamento sugeria o consumo de alcalóides estimulantes, me interpela. trajando um avental cuja camuflagem sugeria um improvável uso na selva, me questionou sobre minha nacionalidade e reagiu à resposta elencando uma longa lista de lupanários em diversas cidades brasileiras, para depois me sugerir seu resturante como opção para o jantar. consciente de que ele precisava do meu dinheiro para prosseguir suas aventuras sexuais tupiniquins, concordei.
degustava meu prato quando percebi a aproximação de dois artistas de rua, portando violões. um deles, aparentemente cego, tropeçava nos pés das mesas e dificultava muito o trabalho dos garçons, mas ninguém reclamava - afinal, deve ser foda ser cego. eu estava animado com a possibilidade de incrementar minha refeição com um pouco de cultura local, quando fui surpreendido pela primeira canção da dupla: uma versão en español de "depois do prazer", do só pra contrariar, esse orgulho das minas gerais. a reação foi a única possível: vasculhei minha carteira em busca de uma gorda gorjeta.
revigorado, passei a caminhar pela cidade, em busca de um programa noturno. para me informar sobre o movimento naquelas bandas, questionei o companheiro do mindingo que, havia alguns minutos, solicitara um gole da minha cerveja (sem utilizar palavras, apenas apontando a garrafa com a mão trêmula. só me abandonou ao receber uma parcela do conteúdo do recipiente em um copo de plástico que encontrou no lixo). solícito, o morador de rua nos orientou em direção a um estabelecimento próximo, identificado por belas luzes de neon vermelho e azul.
dentro da boite, encontrei um par de senhores, dois ou três cidadãos de postura questionável e umas três moças que me pareceram jovens empreendedoras, buscando a refeição do dia seguinte. o mais animado era pepe, que dançava o reggaeton que saía da jukebox com uma loirinha insinuante enquanto todos os presentes gritavam seu nome (ok, seu apelido) em uníssono. agora parecia bastante feliz, mas sua história era lamentável: décadas atrás, disse ele, era um astro de cinema, mas hoje estava esquecido, não encontrava trabalho e passava os dias sozinho, sem fazer nada. consternado, ofereci palavras de consolo, requisitei um autógrafo e saquei uma foto com a estrela. aproveitei o ambiente agradável por mais um tempinho e tomei as ruas.
"um dia bacana", pensei enquanto caminhava rumo à cama, mas na verdade era difícil esconder a decepção por não poder acordar cedo no dia seguinte e me dirigir à repartição para as dez horas diárias na frente da minha workstation.
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