segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

hard, pipe-hitting niggas

chego em casa depois de uma semana de férias e me deparo com uma fechadura quebrada e a porta da frente entreaberta. desconsiderando a possibilidade de haver, sei lá, dezessete meliantes usando drogas e matando filhotes de cachorro na minha sala de estar, busquei pela garagem algum artefato que poderia ser usado para golpear um invasor e avaliei meu guarda-chuva como suficiente para essa tarefa. empunhando o instrumento e confiante como um titã (não sei porque, posto que sempre fui ridiculamente covarde), adentrei no meu lar, onde fui recebido por um rapaz em torso nu, que tomava uma heineken deitado no sofá. estava assistindo "pulp fiction".

aguardei a reação do penetra, certo de que um revés me esperava. um olhar ameaçador, uma saraivada de impropérios, o cano de uma pistola, ameaças grotescas enunciadas com a voz calma de um assassino frio, essas coisas que a gente vê nos filmes e que acabam com o ano-novo de qualquer um. contudo, nada disso aconteceu. o cidadão simplesmente virou a cara para ver quem entrava, notou minha presença, voltou a mirar a televisão, balançou a cabeça e disparou:

"mas dá pra acreditar numa merda dessas?!?"

na tela, bruce willis dava um chilique ao notar que fabienne não havia levado seu relógio.

e o criminoso iniciou uma diatribe sobre como butch é inferior aos outros personagens, atrapalha toda a dinâmica do filme, e que a película nem chega aos calcanhares de "cães de aluguel", não conseguia entender porque tanta gente gostava daquilo. filho da puta! invade minha casa, danifica minha propriedade, consome minha cerveja e ainda insulta meu filme preferido. joguei o guarda-chuva num canto e me sentei no sofá ao lado, um pouco alterado. mencionei a aparição do christopher walken, as coxas da francesinha, o assassínio do estuprador com uma katana, marcellus wallace "getting medieval on yo ass", tantas cenas fantásticas que sempre estarão em nossos corações e conversas ébrias, tudo isso possibilitado pelo boxeador. ótimo papel, decadente e escroto na medida certa.

meus argumentos caíram em ouvidos moucos; era um daqueles caras que não ouvem os outros, simplesmente continuam a repetir suas opiniões até que o interlocutor fique puto e encerre a conversa por cansaço. chamava willis de canastrão, apontava a chatice do seu personagem, que não estava em nenhum dos zilhões de diálogos que tornaram o filme imortal. começava a me dar nos nervos, mas nesse ponto consegui colocar a situação em perspectiva e, em silêncio, fiquei feliz com o fato de não estar sangrando, próximo da morte. vimos o filme até o final.

causou-me alento perceber sua predileção por jules winfield, toda aquela coisa da redenção no final, e achei que tudo terminaria por ali, numa situação absurda em que o ladrão invade uma casa, se impressiona com os filmes do morador, assiste a um deles em sua companhia e resolve abandonar seu intento original, convencido de que uma pessoa aparentemente tão bacana merece melhor sorte. tarantino aprovaria. fraquejei e expus esse pensamento ao meu companheiro, que o rechaçou na hora, mas com certa simpatia:

"você não é dos piores, velho. fico até com dó. não vou mentir: essas coisas influem. vejo uma estante cheia de discos de sertanejo e quebro a porra toda, não por ódio, nem por desprezo, mas como incentivo pra que a pessoa vá atrás de outras coisas. ninguém vai comprar o primeiro disco do zezé di camargo em 2008, não é mesmo? essa mpb nova, por outro lado, me deixa puto. esses caras ouvem djavan e se acham os melhores do mundo. uns dvds do zeca baleiro e eu já não respondo por mim, começo a rasgar cortinas, mijar nos cantos, até tapa na cara já dei. me arrependi depois, claro, mas na hora é difícil se controlar. mas deixemos isso pra lá. você vai pra dispensa agora."

fazendo piadas sobre o jorge vercilo, acompanhei meu agressor até o cativeiro onde fui mantido enquanto ele fazia a limpa. algumas horas depois, quando consegui sair, pude analisar o prejuízo: algumas roupas, quase todos os eletroeletrônicos da casa e alguns dos meus dvds. deixou "pulp fiction", provavelmente já tinha em casa, mas levou "jackie brown", o maldito. também recolheu os do guy ritchie, kevin smith e "o fabuloso destino de amelie poulain", que uma menina tinha deixado lá em casa outro dia. hahah, que bichona.

Um comentário:

Anônimo disse...

cada vez mais criativo.
fera.