sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

oi, mãe

são dez para as sete e daqui a pouco começa o primeiro espetáculo da noite. nesse horário não costuma aparecer muita gente, mais da metade das cadeiras ficam desocupadas, e confesso que a gente pisa no freio, guarda a energia pra depois. são muitas performances diárias - cinco, em um dia comum - e não podemos fraquejar.

enquanto minha parceira se apronta, folheio uma das revistas velhas que sempre ficam ali na bancada, ao lado dos produtos de maquiagem. luciana tem um rosto de traços muito bonitos, mas o passar dos anos, uns problemas de saúde e alguns companheiros mais brutos haviam deixado algumas marcas e cicatrizes, e por isso nunca ia para o palco sem uma grossa camada de base cobrindo a face. depois disso, eram uns cremes nas coxas e glúteos, o imprescindível lubrificante, e estava pronta.

minha preparação é mais simples, já que simplesmente tenho que entrar em cena pronto para a ação. não sei como funciona para os outros homens, mas no meu caso não há uma ciência, não há truques infalíveis: cada vez o amigo se anima com uma coisa diferente. pode ser uma das revistas, um vídeo na internet, uma lembrança agradável ou a visão da luciana passando o creme pelas nádegas grandes e razoavelmente firmes. hoje foi renata, uma menina de alegrete-rs, que estuda fonodiaulogia e gosta de jogar handebol. foi uma das coelhinhas da edição de novembro de 1999 e graças a ela obtive uma ereção. hora do show.

tomamos o tablado de mãos dadas, recepcionados pela indiferença do público - às vezes gritam um "gostosa" ou recomendações para o nosso desempenho, mas o silêncio é a resposta mais frequente, ainda mais naquele horário. estamos completamente nus. no centro do palquinho, uma cama redonda, forrada com um lençol de cetim vermelho e púido, cujas manchas eu já conhecia bem. misturado à essência de eucalipto que era borrifada antes do primeiro espetáculo, um cheiro forte de esperma e secreção vaginal. o resultado é nauseante, mas já estamos acostumados - já são quatro anos e nove meses.

a rotina é semelhante a dos filmes pornográficos: sexo oral, penetração vaginal em três ou quatro das posições mais conhecidas, ejaculação facial. as expressões e os sons também são os mesmos, e essa era a parte mais difícil e constrangedora do trabalho, sem nenhuma dúvida. recomenda-se um olhar constante e devasso para a parceira, mas é difícil não desviar a mira para o público e observar suas reações. sempre há os trabalhadores, com suas camisas sociais baratas e pastas velhas; senhores de alguma idade, que assistem com um certo enfado e alguma tristeza; um ou outro casal, em busca de novidades para a vida conjugal; e algumas pessoas suspeitas, conversando baixinho, trocando mercadorias, entregando envelopes pardos, alheios à performance. alguns dos espectadores masturbam-se sem maiores pudores, na frente de todos; outros guardam suas ereções para a tranquilidade dos seus banheiros ou para o deleite de suas companheiras. também não era raro ouvir uns suspiros chorosos, de alguém que havia acabado de medir devidamente sua própria decadência. ainda bem que não acontece muito, esses incomodam de verdade.

não usamos preservativos. conheço o marido de luciana, ela conhece minha esposa. confio nos três, são gente boa. fazemos testes mensais e nunca houve problema algum. gravidez também não é problema, já que minha colega de trabalho tornou-se estéril depois de um aborto aos 17 anos, necessário para a continuidade da sua carreira como garota de programa. ela me confidenciou que já passou por fases horríveis por causa da impossibilidade de reproduzir, mas hoje está tranquila e até acha melhor, não crê que esse mundo seja lugar para uma criança. nunca falei para ela, mas sempre pensei da mesma forma: aqui já tem gente demais e a maioria não presta.

quatorze minutos depois do início dos procedimentos, ela está ajoelhada aos meus pés e a apresentação caminha para o seu final. em breve os espectadores seguirão para as ruas e nós dois voltaremos para os bastidores. conversaremos sobre a vida, a eleição do novo presidente americano, a rodada do campeonato estadual, o primo dela que foi esfaqueado mas passa bem, a vida de estudante de psicologia. não sei o que diabos ela vai fazer com esse diploma e, para ser honesto, não vejo ela procurando outro ramo de trabalho: o dinheiro era bom, as atividades eram agradáveis e os colegas, modéstia a parte, eram divertidos. o ambiente poderia ser um pouco melhor, mas não se pode ter tudo. não é todo mundo que passa em concurso ou consegue viver de futebol.

um papo rápido, de qualquer forma, porque o próximo programa começa às oito e eu preciso de silêncio para me preparar.

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