Chegava todo dia por volta das 15 pras 9, com sua camisa social branca, sapatos e calças negras, e o crachá pendurado no pescoço. Verificava se a porta principal estava aberta – nunca aconteceu, sempre conseguia chegar antes – e contornava a loja, em busca do seu banquinho, que era guardado entre o armário dos botijões de gás e a caçamba de lixo. Recuperava o móvel, o posicionava ao lado da entrada e assumia a posição na qual passaria todo o horário comercial.
Mantinha-se austero, imóvel, olhando quase sempre para frente. Apenas abandonava a expressão grave para direcionar um sorriso econômico para alguma das várias pessoas que o saudavam diariamente. Não eram amigos, nunca havia trocado mais de dez palavras com nenhum deles, mas quando você se torna parte de um local daquela forma, é difícil que não se crie um vínculo com os transeuntes regulares que gere ao menos um cumprimento frequente. Permitia esse contato superficial, mas evitava maiores aproximações.
Essa rotina já ocorre faz algum tempo, de forma que há quem não se lembre da quadra sem a presença daquele senhor, de segunda a sexta, das nove às seis, sentado no seu banquinho, sisudo. Alguns faziam troça, inferiam que se tratava de um segurança e questionavam a efetividade de um velho contra qualquer perigo. Outros viam dignidade e experiência naquelas rugas, se indagavam sobre o que o senhor pensava, o que havia gerado tanta seriedade, ponderavam sobre a condição humana e os caminhos que a vida nos traça. O pessoal exagera às vezes, você sabe como é. Coisa da idade.
Seu Osório via que era alvo de chacotas e reflexões, conversas e maldizências. Não se importava. Largava a vida de aposentado e a esposa maçante numa cidade-satélite, pegava os dois ônibus e se dirigia para seu ponto, encontrado casualmente, depois de sair de uma agência do Banco do Brasil. Nesse dia, notou a proximidade entre a academia de ginástica e o strip club, e imaginou um fluxo contínuo de moças bem fornidas pelos 30 metros que separavam os dois estabelecimentos. Apareceu nos dias seguintes, gostou bastante e assim se criou o hábito.
Hoje sabe nomes, horários, tem suas preferidas. Arrumou o banquinho e o crachá, que ninguém havia olhado com a atenção devida, ou notaria que nada tem a ver com aquela loja; nunca trabalhou ali, mas o proprietário não fazia nada a respeito por achar que a presença daquele senhor uniformizado era chique, dava um ar de profissionalismo. Mantém o mesmo entusiasmo do início, que só sofreu um baque por um breve período, depois do sumiço da Loira das Três e Meia (a moça voltou pro interior de Goiás, depois de algumas más experiências com um cliente desacostumado a negativas). S. Osório chegou a considerar o abandono da prática, mas superou o problema em alguns dias.
Durante as nove horas de observação incisiva, amealhava todo o estímulo possível. Depois guardava o banquinho, tomava a condução, chegava ao lar, jantava, assistia ao jornal das oito e satisfazia a esposa - todo dia, sem falta, porque foi assim que aprendeu em casa e essa era a fama que tinha pelas redondezas.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário