quinta-feira, 11 de novembro de 2010

gente que eu conheço

completamente normal, essa situação: você chega a um sinal vermelho, detém seu automóvel e os outros motoristas demoram um pouco a chegar - algo até bem comum em brasília, onde a população condutora parece ser formada quase que em sua totalidade por senhoras de 95 anos.

pois esse seria um pesadelo para charles, um conhecido meu (amigo de amigo, não vou chamar o cara de amigo, vai que um dia ele lê isso e se assusta com o termo. ou ri das minhas habilidades de leitura de relacionamentos. ou resolve desenolver intimidades. enfim, file under "conhecido"). nada o apavorava mais do que a visão em seus retrovidores da aproximação de um carro enquanto ele estava estacionado. fobia mesmo - inclusive, deve ter um nome específico, que eu desconheço. me desculpem por não ter estudado nas melhores escolas.

conhecedor de suas limitações, evitava ao máximo essa sinuca. entretanto, quando aconhecia, era apresentado a duas opções: mantinha-se parado, sujeito a um abalroamento em alta velocidade potencialmente fatal (em sua cabeça, a probabilidade era altíssima), ou desconsiderava a ordem do semáforo, possivelmente atropelando algum pedestre e se colocando na trajetória de algum outro bólido transitando pela via perpendicular. parece uma decisão tranquila, mas considere que, ao ponderar estas alternativas, a mente do cidadão está distante do seu mais perfeito funcionamento. é mão tremendo, suor pingando, "ai meu deus por favor", pé saindo da embreagem, coração batendo fora do compasso. é dose.

eu já fui passageiro e já senti o drama e sei que é tenso. você, que nunca viu, pode estar achando engraçado (e não é dedo na sua cara, entendo a interpretação), mas não é, e o principal motivo é esse: um dia, charles cravou no bilhete da loteria da vida a segunda opção dentre as supracitadas e foi premiado com um uno mille vindo a uns 80 km/h, rumo à lateral do seu carro. mostrando reflexos rápidos, o surpreendido condutor esterçou com agilidade para a direita, em tentativa de desvio. desviou e encontrou o poste de sustentação da sinaleira; bateu de frente. foi feio. meu conhecido seguiu seu caminho e não acompanhou os desdobramentos, mas é bem possível que o acidentado hoje seja uma ex-pessoa.

nunca se recuperou, o charles. rasgou a carteira de motorista e contratou um profissional para levá-lo a qualquer lugar - um personal cab driver. depois de um tempo, passaram a morar juntos, naquele esquema tão comum para as empregadas domésticas, e viram nascer consideráveis laços de amizade. mais interessante para essa história seria um relato de como se transformaram em casal, mas estamos atados à realidade aqui: no fim das contas, aquele beijo foi só fruto de bebedeira, mesmo. ninguém gostou daquilo e um repeteco não está em pauta.

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