terça-feira, 30 de outubro de 2012

i just do as i am told

começa assim: eu estou ali na kingdom comics, no conic, folheando umas revistas nacionais depois de novamente fracassar na minha busca pelos novos volumes da antologia "chiclete com banana". manuseio uns três volumes, converso com um ou outro atendente e de repente a música ambiente é substituída pelos acordes que serão exaustivamente repetidos por boa parte dos próximos dez minutos. não sei de onde vem o som; com certeza não é dos alto-falantes da loja, nem de fones de ouvido, que não estou portando no momento. isso não altera meu comportamento, nem o das pessoas ao meu redor: leio mais algumas tirinhas, dou uma olhada nas camisas com motivos pop (e insiro aqui um breve mas vigoroso apelo: nunca, NUNCA traje algo com a palavra "bazinga") e finalmente saio do estabelecimento. a música prossegue.

lembro-me da necessidade de passar no conjunto nacional e viro à esquerda. na vitrine da negroblue, me chama a atenção uma camiseta do roots; durante os três segundos em que me detenho para apreciar melhor a peça, jeff tweedy surge e informa:

spiders are singing in the salty breeze
spiders are filling out tax returns

passo pelas bancas de livros usados, pelos bares em que senhores curtidos pela existência consomem destilados no turno matutino, pelas óticas que certamente oferecem preços melhores aos que pago em conjuntos comerciais mais bem cotados. oferecem-me celulares pré-pagos, bons preços na compra de jóias (nunca tirarão meus acentos, canalhas), contatos de profissionais aptos a me fornecerem atestados médicos. pego os panfletos, fazendo minha parte para que aqueles infelizes possam terminar o mais rápido possível aquele trabalho de corno e recuso todas as ofertas com o máximo de simpatia que consigo amealhar em um sábado de manhã. trabalho de corno, ave maria.

vou andando devagar, fim de semana não é momento pra correria, a vida já é tão difícil. ainda antes de abandonar a construção, mas já fazendo contato visual com o amarelo sem nuance do sol das onze e meia, recebo o recado:

this recent rash of kidsmoke
all this telescopic poems
it's good to be alone

enquanto ganho a faixa de concreto entre os dois pilares dos setores de diversões sul e norte, a guitarra começa a brincar em cima da melodia repetitiva. camelôs vendendo cópias não-autorizadas dos últimos sucessos de hollywood e expondo abertamente obras da brasileirinhas tomam muito do já escasso espaço para o trânsito de pedestres, de forma que a massa chegando e saindo das lojas e da rodoviária está condenada ao caminhar repleto de contato não-solicitado. pessoas com ainda menos pressa que eu parecem se locomover a contragosto, numa vagarosidade aparentemente deliberada, trabalhosa. o calor, o aperto, o barulho e os obstáculos que se colocam na frente do cidadão com um grau de aleatoriedade de dar inveja ao mais avançado dos videogames depreciam bastante a experiência, e desistir da coisa toda entra na pauta mental. contudo, persevero.

passo da metade do trajeto e já é possível observar o senhor que toca acordeão sentado no chão, protegido do sol por um guarda-chuva segurado por uma senhora sentada ao seu lado. o casal, uns trezentos anos de vida entre eles, já me parecem parte do cenário; nunca andei por ali sem ver os dois na mesma posição, com expressões faciais desprovidas de emoção, desempenhando aquelas mesmas atividades. a música do acordeão era sempre muito, muito triste, mas inaudível para mim naquele momento: apenas ouvia os mesmos acordes, a mesma bateria hipnótica, que estavam prestes a explodir no refrão. e foi o que aconteceu.

tan tan tanan tan tan tan tananatan tan tan tanan tan tan tan

nesse momento, senhoras jogam suas sacolas no chão, vendedores abandonam suas barracas, rapazes deixam de cortejar as moças bonitas que passam, as moças bonitas que passavam deixam de se esforçar para parecerem ainda mais bonitas, a repórter do dftv deixa de reportar sobre o assunto do dia, os papagaios de pirata deixam de se esforçar para aparecer na globo e todos começam a dançar, cada um do seu jeito, mas com toda a liberdade e sem nenhuma restrição. os velhinhos do acordeão e do guarda-chuva não dançam, provavelmente por alguma restrição física, mas esboçam sorrisos e essa imagem é ainda mais forte do que as centenas de estranhos dançando de forma maníaca no centro do plano piloto, em frente ao congresso nacional.

estranhamente, eu, que quase sempre danço de forma maníaca - para os meus padrões, é claro - quando esse refrão toca em qualquer lugar, me vejo impassível, anestesiado pela loucura da situação. por toda a duração do estribilho, fico observando as crianças, os velhos, as pessoas com membros engessados, as mães com criança de colo, os motoristas dos carros que passavam ao lado e estacionaram no meio da rua e participaram do delírio. foram cerca de trinta segundos até o retorno da outra parte, a parte da repetição insistente, e a consequente liberação dos envolvidos, que agora podiam voltar a se ocupar dos seus afazeres.

todos voltam a andar, conversar, vender, comprar, gritar, oferecer, entrevistar. todos, menos eu, que me apóio brevemente na mureta que impede a queda dos mais desastrados no eixo monumental para inspirar profundamente, enxugar o suor e absorver o absurdo, tendo como trilha sonora um solo de guitarra que mais lembra um rádio buscando sintonia - bem adequado, portanto. passado esse breve momento, entro no conjunto nacional em busca de esclarecimentos sobre a garantia das lentes dos meus óculos, já arranhadas de forma miserável em dois meses de uso. enquanto passo pelo stand do mc donald's na entrada, jeff tweedy pergunta:

why can't they say what they want
why can't they just say what they mean

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