segunda-feira, 16 de julho de 2012

gente que eu conheço iv

sempre dormiu cedo e fácil, elise: por volta das dez, nunca depois da meia-noite, deita-se em sua cama, cobre-se com alguma coisa - por mais quente que esteja, ela precisa dormir coberta; não raro desnuda-se antes do sono e acorda suada por envolver-se em um lençol numa noite quente -, coloca alguma música tranquila e em menos de cinco minutos está adormecida. quase nunca precisa de despertador, mas para esse fim possui um aparelho infalível, que expele um som demoníaco, capaz de despertar estátuas. tem um sono pesado, não é qualquer coisa que a tira da cama antes da hora.

em algumas noites, quando o corpo ou o tédio pedem, elise dorme um pouco mais cedo, não sem antes regular sua sirene particular para soar às duas e meia da manhã. levanta com o estrido, lava o rosto, faz dois copos de café e liga o computador, do qual acessa dois ou três sites de relacionamento de sua preferência. tem perfis austeros, com poucas informações, sem as diversas fotos cuidadosamente ordenadas para demonstrar felicidade, independência, cultura, jovialidade e abertura à novas experiências que caracterizam a maioria dos anúncios pessoais internéticos.

busca alvos próximos ao seu apartamento; nos outros parâmetros - idade, compleição física, renda, interesses etc - presta pouca atenção. procura pessoas online e vai direto ao ponto: oferece sexo sem compromisso, mas necessariamente naquela noite. creio que eu nunca aceitaria (esmola demais, como diz o clichê), mas não me canso de me surpreender com a quantidade de respostas positivas que a moça recebe; parece que o pessoal da alta madrugada tem menos preocupação com a segurança pessoal ou simplesmente não pode escolher demais.

quase sempre entre quarenta e cinco minutos e uma hora depois de acordar, elisa é informada pelo porteiro ainda assustado e grogue de sono sobre a chegada de um homem estranho ao prédio. pede que ele permita sua entrada e ascensão ao terceiro andar, onde é recebido pela anfitriã em trajes comuns - nada de frescuras eróticas. é o primeiro momento em que a presa tem contato com a peculiaridade física da sua parceira: tem o pescoço e a cabeça violentamente arqueados para a esquerda, o que afeta todo o equilíbrio do seu corpo e faz com que ela ande com certa dificuldade. a única foto em sua página pessoal não evidencia a deficiência, talvez pela quantidade de avatares femininos em que as protagonistas jogam a cabeça para o lado. os motivos para essa preferência eu nunca entendi.

“nunca foi problema”, me conta quando nos encontramos, enquanto zomba do fracasso da minha própria vida sexual, baseada em prospecção mais ordinária - bares, festas, trabalho, amigas de amigos. relata histórias com garotões, senhores, homens casados. diz que alguns elogiam sua iniciativa e sua proficiência sexual, que creditam à necessidade de compensação pelo problema, e tentam marcar outros encontros, pedido que ela sempre nega: a ela só interessa os one night stands. despacha o falo da vez alguns minutos depois da cópula, volta para a cama, cobre-se e coloca uma música tranquila. antes que o companheiro saia da quadra, devidamente protegido do barulho atordoador que viria às oito, ela já está dormente.

Um comentário:

Juliano disse...

Moísa, me admira isso aqui não ter comentários. Espero que tenha visitas. Não é a primeira vez que falo, escreve bem demais, gosto do estilo, do vocabulário (que é excelente). Eu investiria em voce, sério. Sempre bom lembrar desse espaço e ler estes posts.
Abraço!