segunda-feira, 9 de julho de 2012

rivotril

ela gostava de dormir acompanhada, dos vários contatos em diferentes graus que a divisão de uma cama obriga, mas respeitava minha aversão ao toque durante o sono e se colocava em uma extremidade da cama, enquanto eu me protegia no outro canto. trocávamos boa-noites, beijávamo-nos e cada um virava para o seu lado, ainda assim mantendo distância glútea de cerca de um metro; era uma boa cama, não comprei à toa. neste momento, quando tentávamos cair no sono, ficava claro porque tínhamos tantos problemas e porque ainda não havíamos nos separado ainda.

dormíamos de lado; não consigo dormir de qualquer outro jeito. colocava a cabeça no travesseiro e, quinze segundos depois, quando o silêncio tomava o quarto, começava a ouvir o barulho de sempre, o barulho de algo fluindo, em intervalos de cerca de um segundo: flush, flush, flush. trocava a posição, tentando fazer com que aquilo cessasse, mas sabia que era um esforço inútil; desde que podia me lembrar, tinha aqueles sons como companheiros na hora do repouso. ia ficando cada vez mais nervoso, frustrado por não conseguir me acalmar para descansar, preocupado com o que poderia ser um óbvio sinal de uma anomalia (nunca aconteceu nada, mas vá dizer isso para quem está controlando a coisa toda), pensando se isso acontecia com todas as pessoas, ou ao menos com a maioria delas. a situação me arruinava de tal forma que desistia de dormir. quando estava sozinho ia arrumar algo para fazer, mas na companhia dela tinha a responsabilidade de não atrapalhar o seu sono e por isso me esforçava para ficar imóvel e quieto, remoendo a minha maldição, esperando a piedade da existência. durava pouco; não aguentava mais do que uns trinta segundos parado e espezinhado com o flush flush flush flush flush.

pois bem, disso só soube meses depois: ela tinha seu sono comprometido quase que diariamente por barulhos semelhantes. entretanto, o que em mim gerava insatisfação e revolta nela desencadeava um processo de ansiedade - a prova de que o sangue prosseguia viajando pelo seu corpo fazia com que ela se sentisse viva e impossibilitava seu relaxamento; era um momento como qualquer outro, que devia ser aproveitado. perder tempo inconsciente na cama era o mesmo que pedir para morrer por algumas horas e para ela isso era completamente inaceitável. tentava ficar imóvel e quieta para preservar o meu sono, mas também fracassava em pouco tempo. segundo me contou, geralmente era possuída por um leve tremor antes de desistir.

não raro, virávamo-nos quase que no mesmo instante; primeiro um giro de noventa graus, seguido de um breve momento olhando para o teto e um suspiro, depois um movimento semelhante que nos colocava um de frente para o outro, ela com toda aquela energia represada precisando de fluir, eu com a raiva de quem, por um motivo desconhecido e alheio à minha ação, não consegue fazer o que todas as outras pessoas fazem com toda a tranquilidade. poucos instantes depois, estávamos engajados em uma trepada agressiva e explosiva, que nos exauria de tal maneira que depois dormiríamos em cima de um formigueiro, lambuzados de mel.

por um ano e sete meses, esse foi o meu expediente pré-sono sempre que minha ex-namorada decidia dormir em minha companhia (coisa de duas vezes por semana, acredito). terminamos por uma dúzia de causas, uma delas essa felicidade estúpida e irritante, essa animação para fazer tudo e conhecer pessoas e descobrir sensações e experimentar a vida que contrastava de forma violenta com a minha opinião de que quase tudo já foi feito, quase todo mundo é igualmente insosso e quase nada realmente vale o esforço. hoje não sinto falta dela, mas tenho saudade do sexo, o melhor que já tive e a única garantia de sono que conheci nos meus quase trinta anos. à noite coloco música e fico mastigando a ira, demoro pra dormir. durmo mal e pouco, acordo cedo, lido com gente irritante, vivo mal humorado, pensando em voltar pra casa e descansar, só que não. segue o baile.

Nenhum comentário: