quarta-feira, 6 de abril de 2011

só no enobrecimento

já tentou abrir um cofre? é a coisa mais difícil do mundo. no meu primeiro dia na firma, recebi uma folha com as instruções - "gire no sentido horário até chegar ao 37", etc. - e fui apresentado ao desgastado retângulo de metal pintado de verde, que certamente já compunha o cenário havia algum tempo. fui informado sobre as pessoas a quem poderia recorrer em caso de dificuldades e me foi sugerida a dedicação de alguns momentos do dia à operacionalização da tranca. "quão complicado pode ser?", pensei, enquanto direcionava a maior fatia do meu interesse a outros afazeres.

algum tempo depois, estava ajoelhado na frente da caixa metálica, questionando minha inteligência e sanidade, estupefato pelo repetido fracasso numa tarefa que aparentemente pouco exigia além de um nível mínimo de coordenação motora, e conhecimento básico sobre os números naturais até cem e a trajetória comumente percorrida pelos ponteiros de um relógio. tomado pela frustração, invoquei um dos contatos que poderia me mostrar o caminho - cidadão esse que, sem abandonar a ligação telefônica que completava e com a concentração reservada para abrir uma torneira, destrancou o cofre, abriu e fechou rapidamente a porta umas três vezes, dando a entender que não aceitaria novo desperdício tão besta do seu tempo, e cerrou novamente o móvel, sem permitir minha análise do seu conteúdo. em resumo, apenas piorou a situação.

abandonei a estação de trabalho, as janelas do chat, os jogos em flash, a leitura de manuais reservada aos iniciantes. sentei-me ao lado do meu novo nêmesis e, repleto de determinação, dediquei-me a decifrar aquele segredo. não almocei. não falei com ninguém. desconsiderei chamados. apenas com meus giros equivocados, o disco percorreu distância suficiente para me levar a qualquer lugar e obter seja lá o que estava escondido naquele contêiner miserável. perdi meu compromisso com a primeira moça nesta cidade que mostrou genuíno interesse em uma futura troca de fluidos, e tive a certeza da correção da minha estratégia quando ouvi o ruído seco do destravamento da fechadura. consciente do sucesso, fiquei alguns segundos parado, de olhos fechados, saboreando a vitória, até que decidi escancarar a porta e avaliar o meu tesouro, que aqui listo em sua completude:

- três canetas esferográficas, uma delas desprovida de tampa;
- uma cópia da constituição federal de 1988;
- o manual de uma câmera fotográfica yashica; e
- uma folha de papel amarelada, com claras provas da ação do tempo, cuidadosamente dobrada em quatro, com a mensagem "por favor, me abra!" redigida em bonita caligrafia, provavelmente masculina.

mirei a folha, lembrei que já eram quase nove horas da noite e decidi desdobrá-la, despreocupado com uma possível repreensão. feito isso, deparei-me com um pênis medindo algo em torno de 25 centímetros, devidamente acompanhado de um par de testículos e uma leve pelugem. levava um chapéu coco levemente inclinado na ponta da glande, e um sorriso aberto e sincero. um balão trazia uma simples, embora simpática, saudação: "olá!!!". muito bom o desenho, devo dizer. não conseguiria fazer algo semelhante.

retornei a folha à sua forma original e a coloquei tão próxima do local onde a encontrei quanto pude. desliguei meu computador, recolhi meus pertences e ouvi a nítida risada de umas cinco pessoas, algo um pouco estranho, posto que não havia ninguém ali já havia algum tempo. ri de volta - necessário, ou torna-se impossível viver - e, em breve reflexão, concluí que aquele não havia sido um dos piores dias da minha trajetória profissional. nem perto disso.

Um comentário:

Rogério da Veiga disse...

Faltaram as asas no desenho. O guarda-chuva e as meias...